Antena de Celular

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Semestre passado, num exercício sobre taxas de câmbio cruzadas, pedi que os alunos considerassem uma operação de comércio exterior envolvendo três países. A ideia, no final, era descobrir o valor de uma operação feita em reais, convertida em moeda chinesa, o yuan (¥), passando pelo dólar. Minha surpresa foi quando um aluno perguntou: que moeda é essa que parece uma antena de celular?

Existe um importante fato econômico acontecendo no mundo, que tem sido pouco divulgado pela mídia: a China está ultrapassando os EUA como maior importador de petróleo. Com tantos eventos relevantes pipocando na economia e na geopolítica globais, essa situação tem passado praticamente despercebida. O problema é que essa nova “liderança” pode provocar impactos significativos sobre o comércio de petróleo no médio prazo. O que quero dizer é que a China está pressionando alguns dos principais produtores para cotarem a commodity em sua moeda, o yuan, paralelamente ao dólar.

A moeda americana assumiu o status de reserva de valor depois do fim da Segunda Guerra. Ali, com a vitória conquistada por suas forças militar e econômica, os americanos praticamente impuseram suas regras, via Tratado de Bretton Woods e a criação do FMI. Em 1971, com o fim definitivo do padrão-ouro para o dólar, o protagonismo de sua moeda se impõe de maneira definitiva e de forma quase automática. Desde então, o comércio mundial é feito em “verdinhas”. Ademais, como o título do Tesouro americano é considerado o porto seguro, em momentos de tempestades globais, a dobradinha “dólar-treasury” se torna imbatível.

Nos dias presentes, a relação entre a moeda americana e as commodities é geralmente inversa. Por exemplo, se o barril de petróleo ou ouro sobem, o dólar enfraquece e vice-versa. Os motivos para tal comportamento são relativamente óbvios. Meu ponto, aqui, é alertar que possíveis alterações na forma de negociação significam incertezas à frente.

Voltando ao assunto, a pressão que a China vem exercendo recai, especialmente, sobre a Arábia Saudita. Alguns (poucos) analistas de commodities já especulam que nos próximos dois ou três anos essa cotação “alternativa” possa se tornar realidade. Para a geopolítica global, tal mudança certamente será vista como uma perda de relevância dos EUA, pois o dólar passará a ser questionado como moeda de referência de trocas internacionais e, até mesmo, como reserva de valor.

Não é a primeira vez que há tentativas nessa direção. Aqueles com mais idade hão de se lembrar que, no início da década de 1970, os chamados petrodólares inundaram o mundo. A exuberância era tamanha que o clube de futebol da família real saudita comprou um dos nossos principais jogadores de futebol, o craque tricampeão do mundo, Rivelino, um dos primeiros jogadores a se transferirem para o futebol árabe. Observação: desde 1974, após um acordo entre o ex-presidente Nixon e a Arábia Saudita, a moeda padrão de negócios para o barril de petróleo é o dólar.

Já neste século, especialmente depois da crise de 2008, muitos economistas passaram a defender que o petróleo pudesse ser negociado em euros. A ideia, no entanto, não vingou, mesmo porque, no pós-crise, todas a moedas enfraqueceram, e a prioridade geral era sair da lambança em que havíamos nos metido. Mas, e agora, será que essa hipótese pode efetivamente ir avante?

É difícil apostar com convicção, todavia não é estapafúrdio pensar que sim, uma vez que há uma predisposição da Rússia em pressionar igualmente os produtores do Oriente Médio, bem como a Venezuela. Isso ajuda a desestabilizar o poder econômico americano, que é um dos objetivos de Putin, já há algum tempo.

Caso essa pressão efetivamente se intensifique, a OPEP, em última instância, poderia ser chamada a arbitrar. Sob essa ótica, não seria razoável apostar num cartel intervindo drasticamente no modus operandi de como “tradear” uma commodity essencial para a economia global. Não esqueçamos que a OPEP tem mais com que se preocupar, pois está diante de um potencial problema à frente: a disposição das montadoras de produzirem veículos movidos à energia limpa. Dessa forma, não se pode descartar por completo que o barril de petróleo seja negociado na moeda chinesa, no médio prazo.

Em minha visão, como dito acima, as eventuais consequências seriam ruins para os EUA. Outras commodities podem entrar na alça de mira do mercado, especialmente o ouro. Em dois momentos da história recente já tivemos especulações de estudos patrocinados por bolsas de mercadorias para que o ouro fosse negociado atrelado a uma cesta de moedas fortes.

Por fim, vários analistas especializados em comércio internacional advogam a tese de que o dólar perderá elã mais acentuadamente a partir de uma possível debacle do governo Trump, que não emplacou até agora. Os que comungam dessa análise projetam que os EUA (tomara que não) estão à beira de se envolver em conflitos armados com Coreia do Norte e Irã, o que implicará numa tendência acentuada de crescimento do já elevado déficit, colocando o FED numa enorme cilada, pois a inflação vai recrudescer no médio prazo. Em outras palavras, a moeda sofre de qualquer jeito. Fiquemos atentos, pois!

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