Davos: Economia eminentemente política

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O dia 26 de janeiro marcou o fim dos trabalhos no 48º Fórum Econômico Mundial. A edição de 2018 foi marcada pelo tema “criar um futuro compartilhado num mundo fraturado” e pela necessidade de adicionar a palavra “político”, antes ou depois do termo “econômico”.

Nos dias de evento, foram observados nos corredores do centro de convenção da pequena cidade suíça algumas das maiores lideranças políticas, empresariais e influenciadores independentes do planeta. O grande rol de palestrante e o extenso número de painéis não conseguiram evitar que os líderes políticos fossem o centro das atenções. O mundo como um todo estava aguardando as declarações e posicionamentos da elite estadista.

O panteão de participantes da classe política contou com importantes figuras, como a primeira ministra do Reino Unido, Theresa May, e a primeira ministra alemã, Angela Merkel, mas nenhuma delas foi mais aguardada que o polêmico presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. A participação do americano foi a primeira de um presidente em exercício da maior economia do mundo desde Bill Clinton no Fórum do ano 2000.

A presença do estadunidense, não só no evento, mas no cenário político em geral, fez com que as maiores disparidades em termo de atuação internacional aflorassem de forma mais perceptível, marcando, assim, o antagonismo das visões de escopo mais global e aquelas nacionalistas.

Aqueles que defendem uma postura multilateralista tocaram em temáticas bastante próximas e, por diversas vezes, não pouparam críticas a líderes (como Donald Trump) e acontecimentos (como o Brexit). De forma geral, a fala daqueles que discordam das posturas nacionalistas exaltaram as conquistas diplomáticas e econômicas advindas da cooperação internacional, ao mesmo tempo que emitiram alertas sobre suas visões para o futuro, caso as “ameaças” à globalização se acentuam.

Em termos mais concretos, os líderes que apresentaram maior relevância em seus discursos e se aproximaram das posturas tidas como globalistas foram os representantes de França, Índia, Alemanha, Argentina e Canadá.

Da lista supracitada, aqueles advindos do Velho Continente tinham agendas bastantes similares, mas o recorte acerca das particularidades é valioso.

O presidente francês, Emmanuel Macron, iniciou seu discurso apontando que a França havia voltado ao cenário da política e da economia mundial. O presidente ressaltou que o relativo sucesso da França nos últimos anos pode e deve ser creditado à ação unificada com a União Europeia, além de apontar que pretende criar um ambiente doméstico propício à internacionalização dos negócios e de tecer críticas às posturas nacionalistas de outros líderes (embora não tenha citado o presidente americano nominalmente, as críticas tinham endereço claro).

A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, não fugiu do roteiro estabelecido por Macron. A representante da Alemanha traçou um paralelo da situação atual da política internacional com as tensões que levaram à Primeira Grande Guerra, apontando a necessidade de se aprender com a história, realizando, portanto, uma política de maior cooperação.

As outras figuras políticas que se alinham em termos de pensamento com os já citados também não se afastaram do roteiro básico, realizando seus apontamentos quanto às particularidades das nações representadas.

O primeiro ministro da Índia, Narendra Modi, discursou destacando aquilo que ele considera como as maiores ameaças à civilização moderna: mudanças climáticas, terrorismo e a reação de certos setores e políticos contra a globalização. De forma mais focada, o estadista indiano apontou que as políticas protecionistas que têm ganhado força no planeta são ruins para o desenvolvimento da humanidade e são uma ameaça ao progresso, na medida em que reduzem as esferas de cooperação.

Já o argentino Mauricio Macri afirmou que pretende levar uma voz do Sul para a presidência do G-20, com especial foco no futuro do trabalho, alimentação e infraestrutura para o desenvolvimento. Além do já destacado, ele declarou que o fortalecimento do Mercosul pode culminar em interessantes oportunidades para com a União Europeia.

O último representante daqueles que se dizem representantes políticos da globalização foi o mais vocal nas críticas ao nacionalismo e ao protecionismo. Justin Trudeau, primeiro ministro do Canadá, fez um longo discurso acerca de uma variedade de tópicos, com ênfase nas questões das mulheres, dos empregos, do clima e do comércio. Dignas de destaque foram as críticas disparadas na direção do protecionismo, bem como os apontamentos com relação aos tratados de cooperação comercial/econômica NAFTA e o Tratado Transpacífico.

O primeiro destaque, as críticas ao protecionismo, foi realizado com ênfase na necessidade de cooperação, para que se defina um mundo onde o desenvolvimento econômico possa, nas palavras do primeiro ministro, servir a todos.

O segundo destaque, a fala acerca do NAFTA e do Tratado Transpacífico, seguiu com um anúncio de que os membros do Transpacífico chegaram a um novo entendimento em termos de taxas progressivas com relação às vantagens multilaterais oferecidas. O ministro declarou ainda que o Canadá tem feito muito esforço para demonstrar ao México e, principalmente, aos Estados Unidos que o NAFTA é vantajoso para todas as partes.

O outro lado da balança, aquele formado pelos que se identificam ou são amplamente identificados como sendo representantes de políticas de natureza protecionista e nacionalista, foi composto pelos representantes do Reino Unido, da China e dos Estados Unidos.

A primeira ministra Theresa May declarou que o Reino Unido pretende reforçar os princípios que fazem o comércio global funcionar para todos e que, a despeito da saída da União Europeia, a nação não pretende cortar os laços comerciais com a Europa e quer firmar acordos de cooperação bilateral com outros países.

O representante da nação chinesa, Liu He, braço direito do presidente Xi Jinping, adotou uma postura que acentua a dicotomia comportamental chinesa. Em seu discurso, Liu He ressaltou a existência de uma abertura financeira por parte da China e disse que a nação pretende trabalhar para evitar grandes crises financeiras, reduzir a pobreza e diminuir a poluição. Vale ressaltar que o discurso de perfil global vem de uma nação vista por muitos como extremamente restrita em termos econômicos e políticos.

A última fala extremamente expressiva do lado protecionista foi realizada pelo presidente norte americano, Donald Trump. O polêmico presidente abordou a situação dos Estados Unidos e a interpretação do seu estilo “America First”.

Com relação ao primeiro ponto, o presidente afirmou que, desde o começo de sua administração, os Estados Unidos estão em plena escalada econômica, tendo superado o anterior cenário e criado, em dados afirmados pelo presidente, US$ 7 trilhões em riqueza desde a eleição.

O segundo ponto, talvez o mais esperado pela comunidade internacional, da fala do presidente, acabou por estipular a política do “America First” como sendo uma de suas prioridades, mas não de exclusão. Donald Trump afirmou que os pensamentos de sua administração são focados nos Estados Unidos, mas que isso não significa que a nação entende estar sozinha no planeta, sendo necessária a cooperação para evolução.

As falas polarizadas durante o evento deixaram bem claro as preocupações com relação ao futuro da economia. A maior parte das nações economicamente expressivas do planeta parecem enviar sinais de alerta, com a possibilidade da criação de movimentos protecionistas, na medida em que esses poderiam levar à quebra de tratados e zonas comercias, além do surgimento de períodos de concorrência comercial predatória e problemas de câmbio.

Por outro lado, a maior nação do planeta, do ponto de vista econômico, usou o Fórum para declarar expressamente que compreende não estar sozinha no planeta, mas que, independentemente disso, pretende manter uma postura individualista quanto ao planejamento interno e externo.

Terminado o evento e imaginado o possível impacto das ações dos representantes políticos que compareceram, fica claro o porquê da necessidade de se adicionar a palavra “político” ao título do Fórum. Embora o mesmo discuta questões de natureza econômica, uma parcela mais que razoável da elite política está presente discutindo como as ações políticas podem e vão afetar as questões econômicas.

Não é tarefa fácil tentar entender como o escalar da influência política na economia vai afetar o mundo, mas é necessário perceber que a esfera decisória política é eminentemente reduzida, quando comparada com aquela derivada diretamente da economia, o que, claramente, indica que um número menor de pessoas tende a tomar decisões para um número cada vez maior.

Há divergências quanto ao fato de a redução do número de agentes que tomam decisões ser boa ou não, mas, de forma geral, um número reduzido de pessoas tende a observar as questões por um número reduzido de perspectivas.

 


Eduardo Antônio Coelho de Brito

Membro do Jurídico e Análise Macroeconômica do CEMEC, empresa júnior vinculada ao IBMEC, que tem como proposta principal realizar estudos e pesquisas sobre o mercado financeiro.

 

 

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