Disciplina ou dívida

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Quatro séculos A.C., o filósofo Platão, em sua obra “Timeu”, concebeu a deidade chamada “Demiurgo”, o criador do universo. O termo também é usado por Sócrates e Plotino, associando-o à criação do homem e à alma do éter. Já os gnósticos consideram a criação do mundo por “Demiurgo” como um grande equívoco.

A filosofia é uma ciência apaixonante, que estuda o Homem. Dela, contudo, não sou especialista. Por curiosidade, li, ao longo da vida, alguns (poucos) livros relacionados ao assunto, mas nada que pudesse me tornar um expert. Todavia, aprendi que o conceito comumente aceito para a ciência está ligado à sabedoria e ao conhecimento. Em sendo assim, no limite, tudo em nossa existência refere-se, direta ou indiretamente, à filosofia.

Comecei o texto com essa introdução um tanto estranha, pois os mercados financeiros possuem uma “filosofia própria”. Nela, um agente econômico procura maximizar seu bem-estar, o que, na ciência econômica, está associado ao conceito de utilidade. Enganam-se os que pensam que é o lucro pelo lucro.

Nos mercados financeiros, governos, empresas e pessoas físicas interagem para conseguir atingir, da melhor forma possível, seus objetivos, quais sejam, permitir que os que têm poupança apliquem seus recursos e os que precisam de financiamento possam captar com segurança e eficiência. É um jogo de ganha-ganha, onde a indústria de fundos de investimento desempenha um papel fundamental nessa dinâmica.

Um aspecto importante na discussão é a presença (maior ou menor) do governo. Muitos dos que atualmente criticam a “divindade” dos mercados financeiros direcionam suas baterias para a famigerada influência desses sobre o dia a dia do país e de suas políticas. Em outras palavras, se os mercados referendam ou não essa ou aquela forma de atuar dos políticos no timão da economia. Essa discussão se evidencia ainda mais quando estamos próximos de eleições presidenciais.

No fim de janeiro, o Tesouro Nacional brasileiro publicou o déficit de suas contas em 2017 (R$ 124 bi) e fez uma estimativa de que, este ano, precisará emitir mais de R$ 100 bilhões em títulos de dívida pública, para cobrir o rombo orçamentário de 2018. Lembremo-nos que essa dívida já está beirando os R$ 4 trilhões. São números superlativos.

Recentemente, um professor, meu colega no IBMEC-RJ, fez uma análise com a qual concordo integralmente. Segundo ele, se um governo não quer ficar exposto à docilidade do mercado, que não dependa de financiamento em magnitude desproporcional à sua capacidade de endividamento. Trocando em miúdos, se o governo de um país não quer ficar refém de agências de risco ou de quaisquer outras instituições, ele deve ser um ente econômico com responsabilidade fiscal, para que não dependa da disposição dos “mercados” em financiá-lo.

Como já escrevi diversas vezes, mercados são idiossincráticos por natureza. Em determinados momentos estão de bom humor, em outros de nariz virado. Para que um governo não fique sujeito à mudança de humores, muitas vezes repentinas, é preciso ter disciplina em suas contas.

Quero sublinhar que não há receita de bolo ou um número mágico que reflita o tamanho “ideal” de endividamento de um país. O consenso dos economistas ortodoxos, entretanto, é que países emergentes, de renda média, como o Brasil, tenham uma relação de dívida (bruta) comparativamente ao PIB de, no máximo, 50%. Nós, infelizmente, estamos bem acima dessa referência consensual.

As reformas estruturantes, que estão na agenda do país, ajudariam sobremaneira na reversão dessa dependência, sem necessidade de “Demiurgos”. Prosperarão? Só o tempo vai revelar. Maldizer os mercados, quando são fundamentais para o desenvolvimento econômico, não deveria ser a estratégia de solucionar essa eventual dependência. 2018 seria um bom ano para avançarmos nessa direção.

 

 

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