Vai que não cola?

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Happy times / Happy nights /Happy days are here again! – Barbra Streisand (1963)

Um dos programas de maior sucesso na TV paga, nos últimos anos, é o “Vai que Cola”. Nele, o personagem Ferdinando, o concierge vivido pelo comediante Marcus Majella, é o grande destaque. Ferdinando é fã incondicional da cantora Barbra Streisand, artista que sonha interpretar em seus shows às quintas-feiras no Méier.

Nas últimas semanas de março, as bolsas no mundo todo, além do índice VIX (medida de volatilidade, conhecido como “índice do pânico”), apresentaram desempenhos que mais lembravam exames de eletrocardiograma. Esses movimentos tiveram, como causas principais: 1) vendas pesadas de ações do setor de tecnologia (já alertara no artigo https://blog.orama.com.br/2017/10/09/o-cao-epico/ de outubro do ano passado que os valuations estavam exagerados no setor) e 2) a decisão do governo Donald Trump em (sobre)taxar produtos que os americanos importam, como aço e alumínio, iniciando uma possível “guerra comercial” com a China e com o resto do mundo.

Já escrevi algumas vezes que mercados são idiossincráticos por natureza, mas, com franqueza, isso já seria demais!

Tenho uma visão, também exposta em alguns textos anteriores, que boa parte da população mundial não estava satisfeita com a globalização e, por isso, se manifestou contrariamente a ela, através do Brexit e na eleição americana. Se analisarmos com cuidado, a própria reeleição expressiva de Putin (76% dos votos), recentemente, aponta para o mesmo norte.

Donald Trump está cumprindo o que prometera em campanha. Disse, faz pouco tempo, que não gosta de guerra comercial, mas, se houver, é fácil vencê-la. Não tenho convicção, contudo, de que o que esteja ocorrendo agora transformar-se-á numa guerra comercial global (há indícios, é inegável).  Aí está o ponto que gostaria de discutir aqui.

Minha análise deseja ir além da questão comercial. Essa, se acontecer de fato, atrapalhará a reação em curso da economia global, ainda não totalmente recuperada da crise de 2008. Gostaria, entretanto, de fazer uma projeção mais abrangente desse imbróglio. Vejamos, pois.

Meu ponto é que a China será a grande vencedora desse eventual embate, por vias transversas. Por quê? Pelas estimativas de analistas sérios, a China poderia ser afetada no comércio com os EUA em aproximadamente US$ 100 bilhões/ano. Os chineses, contudo, exportam, anualmente, em torno de US$ 2,5 trilhões no total. Ou seja, o valor que os americanos têm em mente mal chega a 5% do volume anual do país asiático. Há, porém, a contrapartida chinesa, mas não pelo comércio: faz muito tempo que os chineses são um dos grandes compradores de títulos do Tesouro americano. Em outras palavras, o país é um dos maiores financiadores do rombo nas contas americanas, que é crescente.

Imagine, leitor, uma situação onde os chineses, por quaisquer motivos, comecem um processo inverso, de venda maciça de “treasuries” americanos. A oferta em excesso faria seu preço desabar, elevando o rendimento embutido. O que quero dizer é que, se os chineses atuarem dessa forma, as taxas de juros nesses títulos tendem a subir fortemente, levando o FED a uma reação natural na velocidade de elevação dos juros “curtos”. Tal situação tem uma evidente consequência: afetar, para pior, o PIB americano, que cresce próximo de 3% a.a.

Para piorar, a China vem “espetando” os americanos através das commodities. Em artigo que escrevi, não faz muito tempo, https://blog.orama.com.br/2017/11/02/antena-de-celular/, já salientava para a provável incursão chinesa no mercado de petróleo, com a cotação desse em yuanes (e não mais em dólares). Semana passada, essa hipótese se tornou real, na bolsa de Xangai.

Não me parece que a equipe de Trump seja inocente em não perceber tais riscos. Assim, a posição atual pode ser algo mais afinado a um discurso para seus eleitores do que uma posição real de política macroeconômica (tudo é possível, que fique claro).

A meu juízo, os americanos têm mais a perder do que a ganhar numa “guerra” com chineses. Não acredito que dariam um tiro no próprio pé. Perderiam um dos mais importantes financiadores, lembrando que Trump reduziu impostos e não parece ser fã de disciplina nos gastos. Os americanos podem estar vendo se cola, mas e se não colar? Vence a China!

 

 

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