E O CORONAVÍRUS?

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O ano mal começou e já tivemos desde uma ameaça de Terceira Guerra Mundial entre EUA e Irã até o medo vigente de uma pandemia de coronavírus. Nesse ínterim, o acordo comercial entre China e EUA foi assinado e os principais índices de ações nos EUA e aqui no Brasil atingiram máximas históricas.  Se a Peste, a Guerra, a Fome e a Morte são os “Quatro Cavaleiros do Apocalipse”, parece que estamos vivendo um crossover de uma epopeia bíblica com bull market. Volatilidade é o que não vai faltar, e entender a diferença de ruído e mudança de fundamento se torna uma tarefa cada vez mais importante. 

O que está acontecendo?

Como vem sendo noticiado nas últimas semanas, um surto de coronavírus, que se iniciou no final de dezembro, na cidade de Wuhan, na China, está deixando em alerta as autoridades globais. Temos confirmadas mais de 170 mortes, com cerca de 8.000 pessoas infectadas globalmente e a Organização Mundial da Saúde anunciou hoje (30/01/2020) que o surto agora atende aos critérios de uma emergência de saúde pública de interesse internacional.

É importante ressaltar que a maior parte das vítimas fatais é de idosos que já possuíam um sistema imunológico debilitado. O que tudo indica é que esse novo coronavírus se espalha pelo ar (diferentemente de outras epidemias, como o Ebola, que era transmitido de pessoa para pessoa pelo contato com fluidos corporais). A facilidade de contágio, contudo, até o momento, não veio acompanhada de uma alta taxa de letalidade, o que é uma notícia muito positiva. Além disso, no mais recente comunicado da OMS, o Comitê de Emergência pontua que acredita que ainda é possível interromper a disseminação do vírus, desde que os países adotem medidas fortes para detectar doenças precocemente, isolar e tratar casos, rastrear contatos e promover medidas de distanciamento social compatíveis com o risco.

O que justifica o alvoroço nos mercados mundiais? 

Acreditamos que, além das questões de saúde pública global, que são muito relevantes, o surto surgiu em um momento muito crítico, pela convergência de dois fatos: (i) a proximidade com o ano novo chinês e (ii) logo após a assinatura do acordo comercial entre China e EUA.

Ano Novo Chinês

A comemoração do ano novo na China é um dos poucos feriados nacionais e, tradicionalmente, os trabalhadores migrantes que vivem nas cidades retornam aos seus povoados de origem para passar as festividades com seus familiares. Essa movimentação é a maior migração humana, com quase 400 milhões de pessoas se deslocando no decorrer do mês. Para efeito de comparação, isso significa dizer que na China, anualmente, duas vezes a população inteira do Brasil se desloca dos centros urbanos para as zonas rurais em um período médio muito curto. 

Nos últimos anos, essa movimentação se tornou ainda mais rápida, barata e, por consequência, mais intensa, em virtude dos trens-bala. É importante lembrar também que a China está no inverno e que o coronavírus causa um tipo de pneumonia que encontra na combinação de frio com grandes aglomerações de pessoas o terreno ideal para se espalhar ainda mais. 

Assim: frio (check), milhões de pessoas em terminais ferroviários, rodoviários e aeroportos (check) e um novo vírus sobre o qual pouco se sabe (check) = receita perfeita para um surto. 

O que Zhong Nanshan, especialista em doenças respiratórias da China, vem argumentando é que o pico do surto ainda não chegou e deve se dar em entre 4 e 7 de fevereiro. O governo chinês, buscando evitar o máximo possível a proliferação, vem tomando medidas como o isolamento de cidades inteiras, a adoção do uso obrigatório de máscaras em ambientes públicos, além do impedimento de embarque em meios de transporte para pessoas com temperatura corporal alteradas. O poder de mobilização pública na China também se mostrou presente na construção de um hospital em Wuhan, em apenas 6 dias, dedicado exclusivamente para o tratamento dos contaminados pelo coronavírus.  

O receio nos mercados, de forma geral, é que essas medidas para o controle do surto possam impactar o consumo e a produção chinesa, que, por sua vez, possam vir a contaminar o crescimento econômico global. É esse caráter potencialmente recessivo que precisa ser observado. Shopping centers estão funcionando em horários reduzidos, fábricas estenderam o feriado e viagens estão sendo canceladas. 

Mas, com o que temos de informação até agora, acreditamos que, apesar de um potencial impacto imediato no PIB do primeiro trimestre, em especial no setor de serviços, uma vez debelado o surto, a normalidade volte e essas medidas não causarão impactos no médio/longo prazo. 

Assinatura do acordo comercial entre EUA e China

O segundo ponto crítico, citado acima, vem potencializar, em certa medida, o receio do mercado. A segunda metade do ano de  2018 e o ano de 2019 inteiro foram marcados pela disputa comercial entre EUA e China. A retração da corrente de comércio nesse período elevou o nível de preocupação com uma possível recessão global. Com o alívio das tensões pela assinatura do acordo comercial no dia 15 de janeiro, havia uma perspectiva de que o crescimento da China e o do mundo fossem se recuperar em 2020. Esse otimismo estava incorporado aos preços do ativos e, de certa forma, impulsionou os índices das bolsas, que registraram máximas históricas. A euforia recebeu um banho de água fria com a notícia do surto de coronavírus, e a possibilidade de que uma pandemia impactasse o já modesto crescimento global tomou as manchetes dos jornais.

Na tentativa de separar ruído de fundamento buscamos responder 2 perguntas:

(i)  De que forma o coronavírus afeta o mercado global?

O mercado financeiro tende a incorporar ao preço atual uma série de expectativas para o futuro. E, como mencionamos, a perspectiva de melhora econômica já estava precificada. Apesar de o coronavírus ser usado para justificar os movimentos de bolsa e dólar no curto prazo, vemos a realização de lucros como natural nesse contexto, e  isso não deve alterar a tendência original ascendente do mercado.

(ii) O surto de coronavírus pode mudar a percepção de que a economia do mundo e do Brasil devem avançar mais neste ano?

O fato do epicentro da epidemia se dar na China, com toda sua capacidade de organização, ajuda a conter e a mitigar os efeitos de longo prazo na produção e no consumo. Esses efeitos, sim, devem ser observados, e especial atenção deve ser dada à separação entre ruído e sinal de desaceleração. Além disso, precisamos considerar que essa mesma capacidade de organização se expande para um controle estatal da mídia e dos número divulgados. A princípio, nos parece que há um esforço de transparência em curso, mas é importante estar sempre atento a um possível viés desses dados. 

Considerando um cenário que este surto, como os outros tantos que o mundo já presenciou, será debelado, e que a letalidade não é tão alta, identificamos que os impactos maiores devem ser sentidos no PIB primeiro trimestre. O setor de serviços, que cada vez possui mais relevância na China, tem menos capacidade de recuperação da demanda perdida (não há como compensar o jantar em um restaurante que não aconteceu semana passada, comendo duas vezes em março, por exemplo). Mas a produção tem capacidade de recuperação ao longo do ano. E, de forma geral, o consumo também não deve sofrer perdas tão significativas. 

Sabemos que a desaceleração da China tem um poder de contágio mais perigoso que o próprio coronavírus. E a interdependência das cadeias globais de produção já foi comprovada com a guerra comercial. No Brasil, em específico, a China é um importante parceiro comercial, mas temos uma pauta relativamente diversificada de parceiros e produtos. O Ibovespa, sim, é mais sensível pela própria ponderação do índice. Siderurgia, mineração, papel e celulose e frigoríficos são setores mais expostos às variações da demanda chinesa e compõem parte relevante do  Ibovespa. Contudo, o cenário que trabalhamos é o seguinte: para a economia geral, os efeitos de longo prazo não devem ser tão severos, ao que tudo indica.   

A questão principal é que toda notícia desse nível de relevância global tende a causar um impacto exacerbado nas expectativas do mercado, causando uma distorção nos preços. Acreditamos que, apesar de ser tentador em momentos críticos, deve-se resistir bravamente à corrida desenfreada para comprar ou vender no primeiro momento. Entretanto, é igualmente perigoso simplesmente ignorar a realidade e ficar passivo, deixando a carteira de investimentos à deriva. 

No caso atual, a separação entre ruído e sinal tem quase que prazo para se definir na medida em que as férias coletivas terminam na próxima segunda-feira. Dessa maneira, até o meio da próxima semana, teremos uma visão mais clara do impacto do vírus: teremos ou uma nova onda de quedas, ou uma recuperação nos mercados. Lembrando que, a cada “onda”, o ruído se aproxima mais do sinal, e os ajustes negativos tendem a crescer.

Até agora, o que temos visto nos parece ser mais um ruído somado a uma saudável precaução. Esta última está sendo usada para realizar, em parte, os ganhos recentes com as bolsas, que bateram recordes após recordes. Isso significa dizer que, apesar da dependência da bolsa brasileira da demanda chinesa, não vemos mudanças significativas nos fundamentos econômicos até o momento, mas estamos acompanhando de perto os movimentos.

 

Escrito por: Lorena Laudares

Com colaboração de: Alexandre Espirito Santo, Sandra Blanco, Sergio Franco e Pedro Paulo. 

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