O mercado financeiro e o coronavírus – Parte 4

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RENDA VARIÁVEL

Em 2020, o mercado financeiro foi da euforia ao desespero em um trimestre. Conforme discutimos na Parte 1, estávamos em uma trajetória de alta, em pleno bull market, até que nos deparamos com a pandemia, uma guerra de preços do petróleo e boa parte da economia do mundo parada devido à quarentena. Desse contexto inicial passamos, na Parte 2, a analisar quais medidas os governos estavam tomando para tentar amenizar tanto a crise de saúde pública quanto a crise no mercado financeiro e também a crise econômica que vem se formando como uma nuvem de tempestade sobre nossas cabeças. Na Parte 3, o objetivo foi explicar como esse somatório de crises impacta o mercado de Renda Fixa e a importância de se diferenciar movimentos de preço e alterações de fundamento dos ativos. Nessa mesma linha, no texto de hoje, vamos abordar como se comportou a Renda Variável neste cenário tão singular.  

No mundo da Renda Variável, as oscilações são a regra, mas a intensidade dos movimentos recentes superou as estatísticas. De 23 de janeiro, quando o Ibovespa atingiu a máxima histórica de fechamento em 119.528 pontos, a 23 de março, dia em que bateu a mínima de 63.570 pontos, o recuo foi de 47%. Se o índice é uma média do desempenho das empresas com maior volume negociado na Bolsa, companhias, individualmente, e Fundos de Investimentos podem ter tido resultados tanto piores quanto melhores que o benchmark. A amplitude e a magnitude sem precedentes da crise atual nos convidam a discutir o que justifica (ou não) tanta volatilidade.

Então, por que a Bolsa no Brasil (e no mundo também) desabou?

Precisamos ter em mente que as Ações negociadas na Bolsa são frações da empresa que o investidor adquire e, assim, ele se torna sócio daquele empreendimento. As empresas que decidem abrir capital buscam, no geral, levantar recursos e, como contrapartida, oferecem aos novos sócios o direito a parte dos resultados. O investidor, então, ganha dinheiro nesse mercado de duas formas principais: pela distribuição de dividendos — ou seja, parte do lucro — e pela valorização das Ações no momento da venda, o que significa vender a um preço mais caro do que o pago pelo ativo.

O preço de uma Ação se relaciona a algumas variáveis, e existem diversas formas de se chegar ao que seria o “preço justo”, que refletiria o valor intrínseco do negócio. Mas, independentemente da metodologia utilizada, olhar para futuro é fundamental. Se há uma boa perspectiva para a economia, ou para aquela empresa específica, os investidores buscam antecipar o desempenho ao longo do tempo e traduzir essa expectativa em um preço no presente. É daí que surgem expressões como “o mercado paga na frente” ou “tal decisão do governo já estava no preço”.

Voltando à nossa conjuntura: no final de janeiro e início de fevereiro, acreditava-se que o coronavírus seria debelado pelo governo chinês e que seus impactos seriam primordialmente via cadeias produtivas muito dependentes da manufatura da China. A situação foi se agravando quando, na Europa, o surto gerou uma necessidade de medidas de isolamento social muito abrangentes e, em um curtíssimo espaço de tempo, diversas economias do mundo praticamente pararam. Essa frenagem brusca e quase que simultânea do mundo arrefeceu a demanda por diversos produtos, inclusive por petróleo, o que culminou em uma guerra de preços da qual já tratamos anteriormente, na Parte 1. O que nos cabe apontar aqui é que as mudanças súbitas nas rotinas, na forma de se consumir e, principalmente, na direção da economia e das políticas econômicas pelo mundo todo, afetam diretamente as perspectivas de lucro das empresas.

Em um cenário de demanda reduzida, lojas fechadas e falta de projeções confiáveis de quando isso tudo vai acabar, as empresas também precisam se adaptar. Seja estabelecendo o modelo de trabalho remoto, quando isso é possível, seja reduzindo outros custos e até mesmo demitindo funcionários, nesse início de crise os gestores das empresas estiveram focados em tentar salvar suas operações de alguma forma. Todas essas mudanças são um trade off intertemporal porque, após uma parada brusca, quando a crise passar, virar a chave pode não ser tão fácil e ligeiro — e o motor pode “morrer” nesse meio tempo. Do ponto de vista trabalhista, contratar e treinar pessoas não é um processo simples e rápido. Por isso, as medidas dos governos para manter o emprego, além do viés óbvio e imediato de manter a renda e subsistência das famílias, possuem efeitos no horizonte pós-pandemia, ao permitirem que a economia se recupere de forma mais acelerada — pois a força de trabalho enquanto meio de produção vai estar disponível para ser imediatamente utilizada.

Mas os efeitos de curto prazo na receita e no lucro das empresas são inegáveis. A tarefa difícil é identificar se esses impactos vão permanecer no longo prazo e, ainda, se a empresa vai sobreviver ao período de crise.  

Um exemplo interessante é a Renner, maior varejista de moda do Brasil, que está com 100% de suas lojas físicas em todo o território nacional fechadas desde o dia 20 de março, por tempo indeterminado [1]. Acredito que nem no pior cenário possível de ser imaginado por qualquer gestor da companhia um impacto dessa magnitude estava sequer mapeado. Mas a chance de uma empresa líder do setor, com o tamanho e a estrutura da Renner, sobreviver, é muito alta. 

Se os empresários estão assustados com a situação nunca antes vista, os investidores, em especial de Ações, também estão, pois perdem as referências de como calcular os preços dos ativos. O medo, a aversão ao risco e as chamadas de margem acabam fazendo com que a pressão vendedora prevaleça e os preços caiam ainda mais. Quanto mais nebuloso o futuro, menos instrumentos nós temos para olhar para frente, e quedas generalizadas, então, acontecem, além de períodos de volatilidade também acentuada.

E é nessa assimetria que podem surgir oportunidades no mercado de Ações. A diferença da análise da Renda Fixa para a Variável é que é na Renda Fixa o “melhor cenário”, de forma simplificada, é aquele no qual o credor cumpre o que foi previamente acordado. Pode haver volatilidade no meio do caminho, pela marcação a mercado, mas, se o risco de crédito não se materializar, o risco de perda permanente é também reduzido. E isso ocorre inclusive pela subordinação da dívida, ou seja, se a empresa não tiver dinheiro para pagar os credores e os acionistas, por exemplo, quem possui os títulos de dívida tem preferência no recebimento dos recursos. Se na Renda Fixa os riscos são, de certa forma, limitados, o potencial de ganho também é.

Acreditamos que não estamos vivendo o fim do mundo e que haverá um Brasil no pós-crise. Por mais diferente que seja esse “novo Brasil”, ainda teremos pessoas a demandar produtos e serviços. E, se temos demanda, alguém vai buscar suprir essa necessidade, ofertando na outra ponta. Isso significa dizer que, se o “apocalipse” não acontecer, teremos empresas e uma economia em recuperação em alguns meses. Os impactos das crises se distribuem de forma desigual, com algumas empresas e setores sendo mais afetados que outros e, principalmente, com empresas saindo vencedoras. Infelizmente, muitos negócios não vão conseguir passar por este momento crítico, e o espaço vazio vai ser ocupado por seus concorrentes. Uma vantagem da Renda Variável neste momento de reorganização do tabuleiro competitivo é que ao adquirir uma Ação “em promoção” — cujo preço se reduziu bastante na crise — o investidor consegue capturar o potencial de valorização daquela empresa. 

De forma geral, quando se compra uma Ação em qualquer momento, não só em crises, enxerga-se uma diferença entre o preço e o valor que se acredita que aquele ativo tenha. Esse potencial de valorização move o mercado. O que acontece nas crises é que, quando o preço cai muito por outros motivos que não a mudança de perspectiva quanto ao valor, torna-se mais evidente essa oportunidade. Mas vale ressaltar que “potencial” não é garantia: ele pode se mostrar errado no futuro, e esse é um risco que se corre. A relação risco-retorno é uma máxima nos investimentos.

Todavia, é importante notar que por mais atrativos que sejam os ativos que sofreram quedas expressivas recentemente, nada é tão barato que não possa se tornar ainda mais barato. No mercado de petróleo, tivemos há pouco uma experiência inédita e surreal: os contratos futuros de petróleo WTI que venceram no dia 21 abril e tinham entrega física atrelada chegaram a ser negociados a – US$ 37,63 por barril. Esse é um caso extremo e específico de um ativo que, pela falta de capacidade de armazenamento de petróleo no mundo, acabou sendo negociado a valor inferior a zero. Não significa  que esse é o “novo normal” e que o mercado vai derreter como um todo. Só estamos salientando que em um mundo que convive com juros negativos e agora já vivenciou preços do petróleo também negativos, surpresas e “irracionalidades econômicas” podem surgir pelo caminho.

Investir não é uma tarefa trivial. No mundo das Ações é preciso analisar com cuidado as perspectivas da empresa e do setor; quais medidas que, tomadas hoje, podem trazer impactos no longo prazo; o ambiente de negócios; a capacidade de inovação — entre outras variáveis. O momento é ainda de cautela, e a volatilidade deve continuar. Existem oportunidades boas e, com o juro real no Brasil na mínima histórica, “não fazer nada” se torna cada vez mais um risco relevante. Uma coisa que não muda é a recomendação de buscar informação de qualidade e assessoria especializada para auxiliar na tomada de decisão. Pensar em um horizonte de prazo mais longo para investimentos em Renda Variável também é aconselhável.

Autoria: Lorena Laudares

[1] https://www.lojasrenner.com.br/comunicado

Parte 1 – O mercado financeiro e o coronavírus

Parte 2 – O mercado financeiro e o coronavírus

Parte 3 – O mercado financeiro e o coronavírus

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